
- Não é Não!!! – Disse o corpo da Diretora de um colégio na cidade de Florianópolis, assassinada a facadas pelo ex-namorado. Um abuso que chega ao seu extremo: o controle através de ameaças, socos e chutes já não é mais suficiente, rouba-se então a vida.
Vida essa roubada a facadas, símbolo psíquico que em sonhos geralmente traduzimos como a tal “energia masculina”. Utilizada de forma invasiva e impulsiva, carregada de raiva e dores. Energia que fala de ação e que por vezes só reconhecem a vazão através da dor. Homens que machucam a si e a quem está próximo.
- Mas Não é Não! – Disse também o corpo da adolescente de 14 anos, assediada por um motorista de Uber nesta semana. Sendo acuada em uma situação de vulnerabilidade, presa em um carro com um homem 20 anos mais velho que ela. Quantas mulheres já não estiveram em situação semelhante, em um carro com outro homem, seja um motorista profissional ou não. Com seus corpos dizendo “NÃO”, mas sendo invadidas por diferentes facas: sejam físicas, palavras, mãos ou órgãos genitais.
E então, falando do assunto com outras pessoas, escuto: “Cara escroto, é um homem mal e fraco. Temos que apagar e rejeitar esse tipo.”
No entanto,
- Não é Não!!! - disse o corpo da colega de escola que recebeu um tapa na bunda do seu colega, que hoje trabalha com autoconhecimento para homens.
- Não é Não!!! – Também disse o corpo da namorada forçada a fazer sexo sem ter vontade. Ou que o namorado transou com ela enquanto dormia, mentindo pra si mesmo que ela estava acordada, e que ele ainda é um cara legal, diferente desses homens machistas escrotos.
- Não é Não!!! – Se unem ao coro os meninos, homens assediados na infância, e que possuem mais barreiras ainda para contar e colocar para fora, em uma sociedade machista, onde sua masculinidade jamais pode ser questionada.
Ah esse vício em violar corpos, revirou meu corpo esta semana... Quantas lembranças. Uma adolescência, onde as primeiras “ficadas” só tinham sucesso se conseguisse passar a mão na bunda da menina. Carnavais onde o grande número de pessoas num mesmo espaço, davam brecha para mãos e pintos aproveitarem para se esfregar em corpos femininos sem permissão nenhuma.
“Não é não”, vale lembrar para este carnaval também. Que seja divertido para todos, melhor que no ano passado, onde 571 crimes ocorreram só no estado de SP.
Esta semana fizemos nossa segunda Roda de Homens em Florianópolis. O segundo passo da Jornada Solar nos chama para a Revolução e decidimos falar sobre assédio. Nosso ato revolucionário foi reunir 17 homens para falar sobre assédio. Isso mesmo! Não mulheres, homens falando sobre isso.
Esses caras, que buscam autoconhecimento, se desenvolver, que muitas vezes são vistos como os “caras legais”, estavam dividindo suas histórias sobre assédio. Situações em que “nós” assediamos um outro corpo.
Então, o que me vem à mente para dizer agora é: para! Para com essa história de homem mal e homem bom. Somos todos seres-humanos com ambas as polaridades vivendo dentro de nós. Temos que encontrar outras perspectivas para além do romantismo do “mocinho e bandido” ou “bonzinho e malvado”.
São homens comuns que cometem assédio. Somos nós. E precisamos nos responsabilizar sobre isto. Aprofundar nas possíveis emoções, dores e histórias que levam isso a ocorrer com tanta frequência. Precisamos ir a público e mostrar outras possibilidades de ação, que não envolvam dor e sofrimento. Que há grupos de homens se reunindo e compartilhando experiências. Colocando para fora todo esse conteúdo emocional que não lidamos nossa vida toda.
Precisamos investigar a nós mesmos, nossa história, limitações, raiva reprimida, pois um dia tudo que guardamos e acumulamos explode. E explosões ferem e matam. Que tipo de experiência nos levaram a isso? Que tipo de incentivos?
Já está na hora de Educação Sexual deixar de ser tratada como tabu e ser encarada como um aprendizado básico na nossa educação. A sexualidade faz parte de uma importante forma de nos relacionarmos com as pessoas, e não podemos deixar que seja usada como arma, deve ser estruturada e amadurecida. Sendo rejeitada, acaba se desenvolvendo nas sombras, na energia reprimida, nos momentos reservados e escondidos dos vídeos pornôs ou em outras situações.
O próximo passo da Jornada Solar nos leva a um mergulho em nossas emoções: raiva, tristeza, alegria, mágoa, culpa e/ou medo. É principalmente neste último que incitamos a autopercepção, o medo, relacionado ao terceiro passo da Jornada do Herói, de Campbell, a “recusa ao chamado”: ficar no conforto do nosso mundo comum é muito mais fácil. Mas por trás desse comodismo se escondem diversos temores. Que nos protegeram por muito tempo, mas agora estão limitando nosso relacionamento com o mundo.
É momento de um mergulho. Estamos em véspera de carnaval, mas a Jornada já começou, para mostrar que podemos ser diferentes desta vez. Vamos respeitar outros corpos e nos posicionar frente aos abusos que presenciamos.
Seguimos juntos, em Jornada.